quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Épico das sombras

seguindo em aberto


O ar, pesado e fechado, das cidades muradas de prédios e pessoas cegas
Onde eu rodopio por entre os carros, dançando os ruídos do mundo
Num suspiro profundo, eu me jogo no abismo e acordo na minha cama
Hoje é um dia perfeito para deixar ir, e rir do que já foi
Um dia perfeito pra beijar e crescer, tornar alto e esconder
Suas filosofias num copo, suas angústias num cigarro
A imagem presa na retina, uma boca com três fileiras de dentes
devorando pequenos fetos e embriões, nos becos escuros
Rastejando pelos bueiros, dormindo nas latas de lixos
O sol queima, a chuva afoga
Há fogo em nossas praças, onde vampiros se alimentam de esperança
E se eu puder procurar em minhas lembranças, não me lembro de outro cenário
Homens e mulheres enfileirados, com movimentos automáticos e seus carros luxuosos
Duas carreiras de monóxido de carbono, para ficar ligado a noite inteira
Todas as árvores estão mortas, as noites em depressão, as luas cometeram suicídio
É tudo tão confuso, e a explicação pra isso tudo também é confusa
E lá estão eles, os loucos, a última esperança, se perdendo
Caminhando pelas ruas quebradas, suplicando por piedade
Nos muros de lamentação, que se estendem somente até o limite do seu quintal
Com os pés cortados pelas pedras da terra prometida
E as mãos, em torno do pescoço, asfixiando
Uma imagem sangrenta e cheia de venalidade
Mas, mesmo que eu possa abrir as gavetas da minha memória, não me recordo de outro cenário
Crianças enforcadas e penduradas num frigorífico
Vendendo os corações a quilo
Voltando lentamente, como se já não fosse tarde demais
Veneno e pecado na bebida de Cristo
Transformando água em vinho, vinho em sangue
Deus se contorcendo no chão, num ataque de epilepsia moral
Mas, isso é só mais um ponto de vista para mudar
Uma verdadeira intenção de se entregar para esses soluços
Num ato, de morte...
Nervos retorcidos, membros atrofiados, cérebro desfigurado, mente roubada.



Hoje, um dia perfeito, eu acordei revendo meus conceitos
Mudei de opinião ao meu respeito
Sem orgulho, sem aplausos, só o silêncio
Não sou louco, nunca fui, é o mundo que sempre esteve muito sóbrio
(Hoje mais que nunca)

3 comentários:

Anita Mendes disse...

cada palavra escolhida a dedo, colocada em perfeita harmonia pra desbalançar a esperança de um caos. um dia que queria ser triste ,mas cansado de chorar morreu rindo da sua própria desgraça . Lindo!
bom ter vc de volta! ,muito bom!

Nátalin Guvea disse...

-Loucos veem árvores dançando, noites sorrindo e luas piscando.

-Não! Todas as árvores estão mortas, as noites em depressão, as luas cometeram suicídio.

-Não há esperança, todos estão mortos. Cada dia uma criança hipócrita chega, abortadas com cérebros atrofiados e conhecimento e reconhecimento apenas do seu quintal.

-Sabedoria!

-Vida!

-Sensibilidade!

-NÃO! Realidade.

Sem sentido. Alguns procuram tanto sentido que acabam nem sentindo mais.
-A noite está solitária. Queria não desperdiçar meu tempo com grandes questões. Quisera eu permanecer isolado... Isolado de quê mesmo? Isolado da hipocrisia humana, do medo idiota e mesquinho, da infelicidade gratuita dos homens sem alma, mas eu não consigo. Resta-me ser profano (MORTO, VIVO MORTO?) e gargalhar descaradamente, como se risse da própria morte.

Adriana Godoy disse...

Paes, voltou à sua essência! adoro seus textos, ainda mais quando são feitos assim de tanta intensidade e adrenalina. pura emoção, pura explosão. uma lindeza sem fim, do meu ponto de vista. bom retorno. beijo.